Arquipélago do Marajó, no Pará, área vulnerável às mudanças climáticas, é responsável por 25% da produção de açaí no estado

Fonte: Site ((o))eco

Plantação de açaí na Ilha de Marajó

Com apenas oito anos de idade, como era de costume, Pedro Nunes começou a trabalhar com a colheita do açaí, em São Sebastião da Boa Vista, Ilha do Marajó (PA), para ajudar a família. Com o tempo, tornou-se peconheiro, o profissional da colheita do fruto, que usa um apoio nos pés feito de saco, corda ou fibra, para se segurar no caule da árvore e subir até o topo da palmeira com a destreza e força das pernas e dos braços.

 

Analfabeto, foi o fruto roxo que possibilitou sua ascensão social. Aos 68 anos, é atualmente um reconhecido produtor da região. “Eu percebi, lá atrás, que o açaí podia dar muito certo, porque a necessidade de alimentação só cresce com o tempo”, acredita. Sua aposta foi certeira: o mercado do açaí tem crescido cada vez mais. O valor da produção, somente no Pará, passou de R$ 2,6 bilhões em 2018 para R$ 6 bilhões em 2022, quando foram produzidas 1,6 milhão de toneladas no estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Porém, o aquecimento global ameaça comprometer esse mercado no Marajó, de onde sai 25% da produção do estado, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca do Pará (Sedap). Com a subida do nível do mar, o aumento da salinização e as mudanças meteorológicas, podem sair prejudicadas as 14 mil pessoas no Marajó que, assim como Pedro, exercem atividade profissional na cadeia produtiva do fruto, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017.

 

O nível do mar poderá subir 10 cm no Marajó nas próximas duas décadas, segundo projeções do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Pode parecer pouco, mas, nesse cenário, as simulações feitas pela organização Climate Central mostram a maior parte do município de São Sebastião da Boa Vista abaixo do nível do mar.

 

Além disso, até 2050, as mudanças climáticas, em associação com outros problemas, como o desmatamento, podem fazer com que 15 espécies de palmeiras e outras árvores cultivadas em reservas extrativistas (RESEXs) da Região Amazônica percam entre 1% e 70% de sua área, incluindo duas espécies de açaí (Euterpe precatoria e Euterpe oleracea), que podem ser completamente extintas em algumas localidades, conforme alerta um estudo publicado em 2021 por um grupo de pesquisadores de várias instituições do país.

 

Safras têm sido atípicas

Essas mudanças já são sentidas hoje. “A safra não é mais tão grande quanto costumava. O caroço agora está bem miúdo, mudou demais. Antes, chovia e vingava. Agora, passam muitos dias sem chover e o açaí seca. Se chove demais, também é um problema. A gente depende muito da natureza”, relata Pedro Nunes.

 

O açaí nativo ou de várzea nasce naturalmente nas margens dos rios, e, por isso, não precisa de irrigação nem aditivos químicos, porque a própria maré traz os nutrientes necessários. Esse tipo de plantação representa 90% do total do Pará, de acordo com a Sedap. É considerada orgânica e os consumidores conseguem sentir a diferença no gosto, quando comparada à de terra firme, pois o açaí de várzea crescendo junto a outras árvores no terreno ganha notas de sabor diferentes por isso. Mas, ao mesmo tempo, é mais vulnerável às mudanças climáticas.

 

De acordo com Pedro, até mesmo as épocas de safra têm se modificado. Ele diz que no auge do chamado “verão amazônico”, de julho a setembro, era de se esperar um alto volume de colheita. “Mas agora é muita quentura, o fruto não está vingando. O nosso último inverno foi muito fraco”, descreve, referindo-se ao período mais chuvoso da região, que tradicionalmente se estende de dezembro a maio. Ainda segundo ele, nem ao menos teve a “água grande”, que é a maior cheia do ano, sempre esperada no mês de março.

 

No início deste ano, a produção de açaí em todo o estado reduziu bruscamente, muito além do que se imaginava para a entressafra. Faltou o fruto até mesmo para suprir a demanda da população de Belém, que tem o hábito de tomar açaí todos os dias no almoço. A reportagem solicitou a Sedap informações sobre em quanto foi a queda no volume, mas a assessoria de comunicação informou que não possui dados mensais sobre a produção.

 

O preço de venda do litro ao consumidor final aumentou em 70% por conta da escassez, somente nos três primeiros meses de 2024, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE-PA).

 

Plantação em terra firme é alternativa para o mercado

Pedro Nunes preocupa-se com o futuro da economia do açaí. No decorrer de seis décadas, esteve em várias posições na cadeia produtiva e acompanhou as mudanças dessa economia. De peconheiro passou a proprietário de uma terra, onde fazia roça. Quando conseguiu guardar dinheiro o suficiente, comprou um barco e começou a transportar o açaí. “O fruto dava muito e poucos queriam. Não tinha essa procura. O frete de uma lata de açaí era 1 real, mas naquela época o óleo [combustível do barco] era muito mais barato, 32 centavos. Então, valia muito a pena. Mas o preço do óleo foi aumentando muito e vi que esse negócio não ia valer muito a pena no futuro, por isso decidi focar na própria plantação de açaí”, conta. Hoje, ele continua tendo sua própria embarcação, mas dedicada apenas a transportar sua produção, desde São Sebastião da Boa Vista até a capital do estado, Belém, em uma viagem que leva cerca de 12 horas.

 

Agora, ele cultiva principalmente o açaí de várzea. Mas também possui plantação em terra firme, que praticamente não tem rendido nada neste ano. O produtor crê que a chave para se manter ativo é experimentar diferentes adaptações. Se antes o açaí exigia um manejo simples, agora o produtor enxerga que novos cuidados são necessários – como aumentar a resistência do solo deixando folhas de palmeiras no chão, para protegê-lo do calor do Sol, mesmo nas áreas de várzea.

 

As plantações em terra firme exigem adubação e irrigação, assim como os cultivos de outros frutos em fazendas. Por outro lado, permite mais estabilidade durante o ano, sem ficar tanto à mercê das condições climáticas. O Governo do Pará tem investido nesse tipo de cultivo, expandindo-o também para outras áreas do estado, visando atender à crescente demanda do mercado interno e global. De acordo com a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), os produtos exportados derivados do açaí paraense saltaram de menos de 1 tonelada em 1999 para pouco mais de 61 mil toneladas em 2023.