A Traição Das Imagens

Por Ruy Palhano – médico psiquiatra e escritor

Detestável, execrável, condenável, eis a traição, condição repudiada por todos e quando verificada nas relações humanas é rejeitada, imediatamente. Ninguém, em condições normais e naturais aceita ser traído, seja por quem for, pois esta atitude corresponde a algo reprovável antropológica e psicossocialmente e que pode gerar muita dor e sofrimento.

Etimologicamente, a palavra traição tem origem no latim traditio, que deriva de tradere, que significa “entregar, passar adiante”. Tradere é formado por trans-, que significa “além, adiante”, e dare, que significa “dar, entregar”.

Do ponto de vista antropológico e fenomenológico, o termo traição, perpassa por diversos contextos — cultural, social, político, psicológico ou até espiritual. Trata-se de um tema importante e recorrente em diversas culturas, mitologias e narrativas históricas, sendo explorado desde as relações interpessoais até as esferas de poder e moralidade coletiva.

Em algumas culturas, a traição está associada a rupturas de confiança, lealdade ou a valores sagrados. Entre os exemplos incluem figuras bíblicas como Judas Iscariotes ou histórias mitológicas que exploram a quebra de pactos ou alianças. – Simbolicamente, a traição pode representar transgressão e mudança, sendo vista como algo que nem só rompe a ordem estabelecida, mas também como acontecimentos de transformações.

Portanto, podemos conceituar a traição como sendo o ato de violar a confiança, lealdade ou fidelidade, geralmente envolvendo uma quebra de promessas, compromissos ou relações de confiança. Pode manifestar-se de diversas formas, como por exemplo a traição emocional, que implica em infidelidade, abandono ou deslealdade emocional.

Traição física, como a infidelidade sexual, que implica muitas das vezes em adultério. A traição profissional, que quebra a confidencialidade, corrupção ou deslealdade no trabalho. Traição política, comum nos dias de hoje, revelada por práticas de corrupção, traição de ideais ou deslealdade política. Traição pessoal, outro exemplo que corresponde a quebra de confiança entre amigos ou familiares.

Quanto as características estruturais da traição, uma das mais importantes é a quebra de confiança. Ocasionando danos e sofrimentos enormes à pessoa traída. A deslealdade é uma outra condição muito ligada a atitudes de traição, gerando desconfiança e mal-estar geral a todos que estão às voltas com estas ocorrências. O engano é outro aspecto significativo presente nas atitudes traiçoeiras da mesma forma como a decepção e a infidelidade, onde as ambas as condições também colaboram para o sofrimento de muita gente.

Todos estes aspectos referidos acima que são encontradas em atitudes traiçoeiras provocam consequências inestimáveis nas pessoas vítimas delas. Uma das mais importantes destas consequências é a dor emociona profunda que se sente quando somos traídos e os danos nas relações podem ocorrer em todos os sentidos, podendo inclusive gerar consequências legais, verificados em casos de traição profissional ou na política provocando profundos impactos na autoestima e na autoconfiança nas pessoas traídas.

Um outro aspecto altamente relevante nesta perspectiva é a psicopatologia da traição, entendida como sendo o estudo dos fatores psicológicos e comportamentais que levam uma pessoa a agir de forma desleal ou a romper com pactos e relacionamentos de confiança. Esse tipo de apreciação considera tanto os aspectos individuais quanto os sociais e culturais os quais moldam comportamentos traidores.

Em sendo assim, quais os fatores psicológicos associados à traição? Algumas pessoas que apresentam padrões persistentes de manipulação, falta de empatia e desconsideração pelas consequências de suas ações podem apresentar traços relacionados a transtornos de personalidade, como os de personalidade antissocial e/ou narcisista, condições clínicas frequentemente relacionados às atitudes de traição.

O egocentrismo e busca de gratificação imediata, também podem ser considerados aspectos relevantes de natureza psicológica, relacionadas à traição. Indivíduos que priorizam suas próprias necessidades e desejos acima de qualquer compromisso ético ou social podem estar mais sujeitos a atitudes traiçoeiras, considerando que esse comportamento pode estar relacionado à impulsividade ou à baixa tolerância à frustração.

A insegurança emocional, é outro aspecto psicológico significativo, pois a traição pode ser uma estratégia defensiva usada por pessoas, emocionalmente inseguras e instáveis, que sentem a necessidade de manter várias opções ou redes de suporte por medo de abandonado ou passar por fracassos.

A traição também pode ocorrer com mais frequência entre pessoas que acreditam que suas ações são moralmente válidas ou permitidas. Estas atitudes podem ser inspiradas em mecanismos de defesa como negação ou projeção. Da mesma forma como a busca por poder ou controle, em contextos interpessoais ou profissionais, onde a traição pode ser motivada pelo desejo de dominar ou manipular situações.

Outros aspectos comportamentais que estão também relacionados à traição, são os contextos sociais e culturais, onde se dão as atitudes traiçoeiras. A cultura em que uma pessoa está inserida, pode legitimar ou estigmatizar atos de traição. Em algumas sociedades, por exemplo, a traição é mais tolerada se os fins justificam os meios (como ascensão social ou sobrevivência). Além do mais, ambientes de alto estresse ou competitividade, como empresas ou instituições políticas, podem aumentar a probabilidade de comportamentos desleais.

Consequências psicológicas para o traidor. Sentimento de culpa, remorso ou reclamação podem surgir em pessoas que traem, especialmente se elas forem confrontadas com o impacto de suas ações. Por outro lado, em indivíduos que não demonstram empatia ou que possuem mecanismos de defesa rígidos, a traição pode ser vista como um comportamento justificado ou até mesmo estratégico, sem causar sofrimento emocional evidente.

Portanto, considerando os comentários acima, podemos dizer que a traição na era moderna reflete as complexidades das relações interpessoais e sociais em um mundo profundamente influenciado por mudanças culturais, tecnológicas e comportamentais, podendo a mesma ocorrer, como vimos, tanto no âmbito pessoal quanto profissional, sendo interpretada de maneiras distintas em função das transformações contemporâneas