Ruy Palhano Silva, Médico Psiquiatra
O fim do ano é um período marcante no ciclo anual da vida humana. Ele é carregado de simbolismos, rituais e expectativas, refletindo em diferentes âmbitos das experiências humanas, incluindo os aspectos psicológicos e psicossociais Este período, embora repleto de comemorações e reencontros, também pode ser uma época de tensões emocionais, cobranças internas e desafios relacionados à saúde mental.
No aspecto psicológico, o fim do ano funciona como um marco temporal que estimula reflexões profundas sobre o ano que passou. Muitas pessoas se veem avaliando suas conquistas, fracassos e metas não alcançadas, o que pode gerar sentimentos de insatisfação, frustração ou, em casos mais graves, estados depressivos. Para alguns, essa introspecção pode ser positiva, promovendo crescimento pessoal e replanejamento. No entanto, para outros, ela pode exacerbar sentimentos de inadequação, principalmente quando comparados às imagens de “sucesso” propagadas por redes sociais e pela sociedade de maneira geral. A pressão para atingir padrões de realização idealizados pode se tornar um fardo emocional significativo. Esse peso é agravado pela tendência de muitas pessoas a ignorar suas pequenas vitórias, focando apenas nas metas não cumpridas.
Sob o ponto de vista psicossocial, o fim do ano intensifica as dinâmicas de interação social, sejam elas familiares, de amizades ou de trabalho. As reuniões e celebrações de fim de ano trazem oportunidades de reconexão e fortalecimento de laços, mas também podem ser fontes de conflito ou desconforto para muitos. Questões mal resolvidas nas relações, cobranças familiares e expectativas sociais podem gerar tensão, especialmente em famílias com histórico de conflitos. Além disso, pessoas que vivem em situação de isolamento social ou que sofrem com luto e perdas recentes tendem a sentir de forma mais acentuada os impactos emocionais dessa época, potencializando sentimentos de solidão e tristeza. Esse tipo de sofrimento é agravado pela percepção de que todos ao redor estão celebrando e felizes, criando uma sensação de exclusão.
No âmbito social, o fim de ano é frequentemente associado ao consumismo e às pressões culturais para participar de festas e eventos. A necessidade de atender às expectativas de presentes, organização de ceias ou viagens pode se tornar uma fonte de estresse financeiro e emocional. A desigualdade social também se manifesta de forma mais evidente, já que o contraste entre os que celebram com abundância e aqueles que enfrentam dificuldades materiais se torna mais visível. Essa realidade pode despertar sentimentos de exclusão e injustiça social, afetando não apenas indivíduos em situação de vulnerabilidade, mas também aqueles que observam e se sensibilizam com essas desigualdades. É comum que as festividades reforcem a ideia de que o sucesso é medido pela capacidade de consumir, o que contribui para pressões adicionais em uma época que deveria ser voltada à conexão humana e reflexão.
A relação entre o fim do ano e a saúde mental é intrincada e multifacetada. A busca pelo “equilíbrio” emocional nesse período exige uma série de estratégias adaptativas. Em primeiro lugar, é fundamental reconhecer que nem todas as experiências precisam corresponder às expectativas culturais e sociais impostas. Criar espaço para vivências autênticas é essencial para preservar a saúde mental. Isso pode incluir o estabelecimento de limites em relação às demandas externas, como não comparecer a todas as celebrações ou reduzir os gastos com presentes, caso isso gere desconforto. Estabelecer prioridades com base no que realmente importa à pessoa é um ato de autocuidado que pode mitigar o estresse.
Outro aspecto importante é cultivar a gratidão e o foco no positivo. Estudos mostram que exercitar a gratidão, mesmo em pequenos momentos, pode melhorar o bem-estar emocional e aumentar a resiliência. Durante o fim do ano, isso pode se manifestar em gestos simples, como valorizar a presença de amigos e familiares ou reconhecer as conquistas, por menores que sejam. É possível, também, criar novos rituais significativos que reforcem o senso de propósito e satisfação pessoal.
É também necessário buscar apoio quando necessário. Para pessoas que enfrentam dificuldades emocionais significativas, conversar com amigos, familiares ou profissionais de saúde mental pode fazer uma diferença substancial. Em muitos casos, apenas expressar sentimentos de ansiedade, tristeza ou sobrecarga pode aliviar parte do peso emocional. Grupos de apoio ou iniciativas comunitárias também podem ser valiosas para promover conexão e pertencimento. Reconhecer que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem e cuidado consigo mesmo, é um passo importante para atravessar os desafios dessa época.
Por fim, é relevante abordar a importância do autocuidado nesse período. Muitas vezes, o fim do ano é marcado por uma agenda cheia e pelo ritmo acelerado das festividades, o que pode levar ao esgotamento. Práticas como exercícios físicos, meditação, alimentação equilibrada e momentos de pausa podem ajudar a reduzir o estresse e melhorar o bem-estar geral. Dedicar tempo para si mesmo, mesmo em meio às demandas, é uma forma de cultivar a energia necessária para lidar com os desafios do período.
Em síntese, o fim do ano é um período que reflete a complexidade das experiências humanas, com seus desafios e oportunidades. Reconhecer e acolher as nuances emocionais dessa época é essencial para promover uma relação mais saudável com as demandas psicológicas e psicossociais que surgem. Ao priorizar a saúde mental e adotar uma abordagem consciente para atravessar essa época, é possível transformar o fim do ano em um momento de reflexão, crescimento e renovação para o ciclo que se inicia. Além disso, compreender que o verdadeiro significado dessa época está na experiência humana compartilhada, e não em padrões impostos, pode trazer leveza e um senso maior de paz.
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