No Recife, onze vítimas rompem o silêncio e prestam queixa contra pastor psicólogo, que chegou a ser indiciado, mas morreu após ser internado com coronavírus.

 

“Não se preocupe, tudo faz parte da técnica.” Assim o pastor evangélico Francisco Dias da Silva Filho, ex-líder da Igreja Batista em Campo Grande, no Recife, assediou, estuprou e violentou mulheres dentro do gabinete pastoral da igreja, de acordo com onze vítimas que o denunciaram. Mestre em psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Silva Filho recebia as fiéis dizendo que pretendia aconselhá-las. O que ocorria, no entanto, não ficava somente nas orientações. Por anos, Silva Filho abusou de mulheres, de acordo com inquérito da Polícia Civil, que começou a investigar o caso depois que as vítimas decidiram romper o silêncio e prestaram queixa contra o líder evangélico. Silva Filho chegou a ser indiciado pela Polícia Civil por assédio sexual, estupro, violação sexual mediante fraude, injúria racial, difamação e violação de segredo profissional, mas morreu no último dia 7 na capital pernambucana, após ser internado com coronavírus.

 

 

“Confidenciei a ele que eu apresentava um transtorno alimentar e ele propôs que tivéssemos conversas sempre que pudéssemos, porque ele era psicólogo”, conta Luciana ―os nomes foram trocados para preservar a identidade das mulheres. Mas aos poucos os encontros se tornaram insustentáveis para ela. “Ele me fez enviar fotos de partes do meu corpo, porque dizia que eu tinha transtorno de autoimagem. Depois, pediu para eu mandar um vídeo me tocando. Foi tudo muito aos poucos”, conta. “Um dia, me pediu para que eu fosse até a sala dele e ficasse só de calcinha e sutiã para que eu pudesse me enxergar e aí ele me tocou”, ela conta. “Ele me disse ‘transgrida aqui comigo, sou seu pastor e sou seu psicólogo’”.

 

Luciana ainda chegou a encontrar o pastor em seu gabinete algumas vezes, em busca da cura para o transtorno alimentar do qual sofre e que na época nem mesmo sua família tinha conhecimento. Até o dia em que foi, de acordo com ela, estuprada por Silva Filho. Ele me disse ‘se você fizer isso comigo, você vai ficar boa’, e começou a me beijar”, conta ela. No final, a vítima conta que o pastor ainda a fez prometer que “nunca mais faria sexo com alguém que não fosse meu marido”. Ela só entendeu que havia sido estuprada quando, anos mais tarde, buscou ajuda de uma psicóloga. “Ela me disse que o que eu vivi não havia sido nem de longe uma terapia. Foi abuso”, conta. “Meu mundo caiu. Eu considerava ele como um pai para mim. Ele fez meu casamento, apresentou minhas duas filhas [como é chamado o batismo na igreja evangélica], foi no chá de revelação da minha filha… O que eu ia fazer com aquela informação? Como eu ia contar ao meu esposo?”.