Com apenas 20 anos de idade, o jogador de futebol Expedito Selton já tem muitas histórias para contar. O atleta, que acaba de assinar contrato profissional com o time do ASA de Arapiraca, de Alagoas, nasceu e passou boa parte da infância na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Nas lembranças de garoto, a presença constante da irmã três anos mais velha, que hoje cursa faculdade de Enfermagem e trabalha em uma unidade sentinela de Arapicara. A presença e o apoio da mãe em toda a sua vida e no início da sua carreira profissional como jogador ficaram na memória – Expedito viu a aposentada falecer por conta de alguns problemas cardíacos e diversas complicações decorrentes da diabetes no dia 10 de fevereiro de 2019. O pai, que trabalha como açougueiro, foi para a Bahia há cerca de seis meses cuidar de alguns familiares doentes.
O jogador, que hoje está em Arapiraca, morou durante muito tempo na cidade vizinha Taquarana, com seus pais e sua irmã. Ele se formou no Ensino Médio em 2018 e lembra com saudades de quando acompanhava seu pai nos jogos de futebol com os amigos desde os três anos de idade. “Sempre acompanhei meu pai quando ele ia jogar bola com os amigos, mas como eu era muito novo, aquilo era apenas mais uma brincadeira para mim. E assim foi até eu completar dez anos. Aos 12, começou a me despertar a vontade de viver da bola. A gente morava em um sítio bem afastado da cidade e me lembro de quando uma vizinha amiga da minha mãe chegou em casa dizendo que tinha uma pessoa lá que poderia me ajudar a tentar ser jogador de futebol”, lembra Expedito.
A pessoa a quem ele se refere é o médico, hoje consagrado escritor e palestrante, Jean Rafael, que, na época, estava à frente de um projeto que ajudava a desenvolver as crianças da comunidade como médico da família, promovendo diversas atividades esportivas, culturais e de lazer. “Nosso projeto era muito sério e conseguimos colecionar memórias e histórias muito boas. Chegamos a cuidar de mais de 300 meninos e me lembro que o Expedito era um dos mais esforçados da turma. Ele estava com a gente três ou quatro vezes por semana e sempre falava que contava os dias para as atividades”¸ se recorda Jean.
Estamos falando do ano de 2015 e do projeto “Futebol, Saúde e Cidadania”, que tinha o objetivo de formar cidadãos de bem, além de oferecer cuidados de saúde e atividades lúdicas. “Conseguimos evitar que muitos garotos entrassem no mundo do álcool e das drogas. Infelizmente, hoje o Projeto não existe mais – sobrevivemos por muitos anos com o trabalho feito com lixo reciclável por parte dos garotos. Os treinos eram feitos com bolas usadas que ganhávamos como doação. Além de jogar, eles recebiam aulas teóricas sobre natureza, convivência social, impacto negativo do álcool e das drogas para a saúde e técnicas de jogos e fundamentos do futebol. Estudar era uma das nossas exigências no Projeto – só ficava com a gente quem se dedicava à escola também”, enfatiza Jean. Os treinos, que aconteciam em espaços nas ruas, depois passaram a ser realizados em um terreno emprestado, até a Prefeitura doar um espaço temporário para a comunidade com dois campos.
Expedito se mantinha bem na escola para poder continuar no Projeto. Fã das aulas de Educação Física, ele se esforçava para entender a tão complicada Matemática. “A Educação Física sempre foi minha paixão, tanto que acabei de entrar na faculdade aqui na UNIP de Arapiraca”, comemora.
O começo difícil de carreira
Quando o Projeto coordenado por Jean Rafael acabou, Expedito, sempre com o apoio e a companhia da mãe, conseguiu entrar em outra ação parecida na cidade de Campo Alegre – e lá ia ele encarar 60 km para treinar. “Lembro que a gente acordava às 5h para conseguir chegar em tempo. O treino era das 7h às 10h e eu tinha que voltar em tempo de ir para a escola à tarde. Muitas vezes, não tínhamos nem o dinheiro da passagem e me lembro, muitas vezes, da minha mãe pedindo ajuda financeira e até carona para as pessoas. Fiquei treinando lá durante um ano e o resultado de tanto esforço foi recompensado quando nosso time ganhou o campeonato regional”.
Em 2017, a primeira oportunidade de ver seu sonho mais perto de se tornar realidade apareceu: um teste no Clube CSA. A avaliação, que durou quatro horas, foi seguida por mais três dias de provas e a chegada de Expedito à conquista da vaga na categoria de base foi um sonho com apenas 16 anos de idade. Tudo aconteceu, segundo ele, graças às caronas que conseguia com a sua mãe nos carros que levavam pacientes às 4h até a capital.
Acreditando no sonho do filho, a mãe de Expedito abandonou tudo e foi morar com ele mais perto do Clube, numa pequena casa onde pagavam R$ 300,00 de aluguel, em Maceió. Expedito dividia seu dia entre a escola e o Clube enquanto sua mãe fazia pequenas peças de crochê para ajudar no sustento deles na capital.
A descoberta da tuberculose
Tudo estava indo bem até que, depois de três meses na cidade grande, Expedito começou a tossir muito, principalmente durante a noite. Quando sua mãe percebeu que aquela tosse persistia, resolveu levá-lo para fazer alguns exames médicos e checar sua saúde e a descoberta caiu como uma bomba: aos 16 anos, Expedito teve um diagnóstico de tuberculose. A saída foi arrumar as malas e voltar para casa para fazer um tratamento longo e duradouro, de cerca de seis meses. “Lembro até hoje do dia em que me despedi do pessoal do Clube. Mesmo eles dizendo que as portas estariam abertas para mim quando eu voltasse, senti meu mundo desabar. Todo esforço que eu e minha família tínhamos feito parecia ter acabado naquele dia”, lembra Expedito.
Isolado dos colegas de bola e realizando seu tratamento médico com o apoio do Dr. Jean, ele acabou perdendo o ritmo que tinha conquistado com os treinamentos intensos dos quais sempre participava. Sem esperanças e vendo o tempo passar, Expedito sempre conversava com o Dr. Jean e se lembra de quando ele indicou que Expedito lesse as matérias de um grande jogador. Expedito era seu fã e resolveu foi conhecer a fundo a história de vida do seu ídolo: o também zagueiro, como ele, Thiago Silva, que enfrentou e superou a tuberculose. “Quando ouvi o Thiago falando sobre a superação dele frente à doença, parei e pensei: se ele conseguiu, eu também posso sair disso! E aí encontrei a força para terminar o tratamento e recuperar o tempo perdido”, se lembra emocionado. “A história do Thiago Silva foi um divisor de águas na minha vida, pois eu achava que depois desta doença eu não poderia mais ser jogador de futebol. Conhecendo tudo o que ele passou, vi que eu poderia, sim, ser jogador profissional”.
E no final de 2017 após concluir o tratamento, Expedito estava de volta aos testes, desta vez já no ASA de Arapiraca, ainda na categoria de base. Aos 17 anos, ele passou nos testes e começou a jogar na categoria sub 20.
A morte da sua maior fã
Tudo ia bem de novo, desta vez como jogador de base de um time conhecido e mais perto de sua casa, quando sua mãe faleceu. “A morte da minha mãe teve um impacto muito grande não só na minha carreira, que estava começando de fato, mas na minha vida de forma geral. Ela era minha amiga, meu alicerce, minha maior fã. Sempre esteve ao meu lado, mesmo quando pensei em desistir quando estava doente. Mas, em vez de entregar os pontos, resolvi que ia realizar o meu sonho e o dela e entrar em campo como jogador profissional. Foi quando resolvi me dedicar ainda mais”, conta o jogador.
E assim ele seguiu até que, depois de dois anos, em 2020, um pouco antes de começar a pandemia, ele perdeu a avó, com quem também tinha muita proximidade. “Minha avó era minha segunda grande apoiadora. Ela foi fazer uma cirurgia do coração e não resistiu”. Aos 20 anos de idade e mais uma vez abalado e com as incertezas das primeiras notícias sobre a doença nova que estava agitando o mundo, Expedito viu o tempo passando e, com ele, o limite para estar nos times de base. “Comecei a me dedicar ainda mais nos treinos até que em julho fui diagnosticado com COVID e tive que ficar afastado de novo, desta vez por 1 mês. Perdi uma sequência importante de jogos e não voltei com a mesmo ritmo. Sempre cuidei muito da minha saúde e da minha alimentação e, felizmente, não tive sintomas graves da doença, mas acabei perdendo um pouco de espaço. No final do ano passado, meu técnico veio conversar comigo e disse que eu precisaria me dedicar ainda mais se quisesse continuar ali e crescer no clube. No começo de 2021, mais uma vez a presença do Doutor Jean foi fundamental na minha vida. Ele me encorajou a não desistir e a me cuidar e treinar ainda mais. E foi aí que redobrei minha força de vontade”, se emociona Expedito.
“Assinei o contrato no dia do aniversário de morte da minha mãe e tenho certeza que tive a ajuda dela para ver meu sonho realizado. Agradeço de coração à Diretoria do Asa, ao presidente do Clube, Moisés Machado, e ao Dr. Celso Marcos pela oportunidade. E também dedico a minha vitória à toda minha família e ao Doutor Jean, que sempre esteve ao meu lado e que, muitas vezes, me ajudou de vários jeitos. Sempre que ele podia, ele estava ali, pronto para me ajudar. Sou muito grato por ele”, finaliza.
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